Turismo explode em Fernando de Noronha e testa limites da ilha
Visitação vai superar 100 mil pessoas em 2018, acima do suportável para o local
O empresário José Maria Coelho Sultanum, 62, reúne toda quarta-feira e sábado a nata dos turistas de Fernando de Noronha que pagam R$ 230 por uma mesa farta de frutos do mar e carnes variadas. O restaurante é um dos 11 negócios tocados por Zé Maria, como é conhecido no arquipélago. Ele chegou lá em 1987 para “um fim de semana que nunca acabou” e, ao longo de 31 anos, se tornou o principal promovedor do turismo de alto luxo e anfitrião de celebridades num dos maiores santuários ecológicos marinhos do país.
Na primeira quarta (4) de dezembro, três jogadores de futebol dividiam o salão com empresários e jovens que disputavam o título de pior cantor no karaokê que ganhou o nome “The Voice Zé Maria”. “As oportunidades daqui são muitas. Tem pouca gente disposta a aproveitar o cavalo que passa selado. Eu aproveitei e até hoje ele passa por aqui”, disse Zé Maria sobre seu sucesso empresarial na ilha. O galope se acelerou nos últimos anos. Se até cinco anos atrás o número de visitantes girava em torno de 60 mil pessoas, ele superou a casa dos 90 mil em 2016 e deve ultrapassar os 100 mil neste ano.
O plano de manejo do Parque Nacional Marinho da ilha, de 2005, aponta como limite 89 mil visitantes por ano.
O Governo de Pernambuco, por sua vez, indica como máximo 104 mil, ao ampliar em 50% o número de visitantes autorizados por dia na alta temporada —concessão sem amparo ambiental, só econômico.
“Noronha vem discutindo há pelo menos 20 anos os seus limites. Em vez de tomar os cuidados, Pernambuco acelerou o processo de crescimento”, afirma o gestor do parque nacional, Felipe Mendonça. “Precisamos atualizar esse número considerando as novas tecnologias. Os próprios empresários estão melhorando suas estruturas, com critérios ambientais”, diz o secretário estadual de Meio Ambiente, Carlos Cavalcante. O Governo de Pernambuco tem ampliado a autorização de voos para Fernando de Noronha (único meio de acessar a ilha), com oito por dia na alta temporada. Surgiram ainda pousadas de alto luxo e pequenas pensões, o que ampliou o número de leitos. Esse movimento não foi acompanhado de investimentos na infraestrutura. O esgoto só é coletado em 53% dos imóveis. A água que antes chegava às cisternas a cada cinco dias agora tem como regra um intervalo de oito. “Muitas vezes ficamos até dez dias sem água. E, quando chega, vem bem fraquinha. Ficamos raspando a caixa”, diz o pescador José Manuel da Silva, 62, morador da Vila do Trinta.
A principal fonte de água é um dessalinizador instalado na ilha na década de 90. A Compesa, empresa responsável pelo abastecimento, admite a defasagem. O projeto para resolvê-la é de R$ 22 milhões. Para o turista, contudo, o principal reflexo visível do crescimento é a fila que se forma para o agendamento de entrada nas trilhas. A piscina do Atalaia, uma das principais atrações, só pode receber 96 pessoas por dia pelas regras ambientais. “É o limite da natureza, não tem jeito”, afirma a administradora Patrícia Peres, 43, que chegou às 5h30 para agendar a visita no posto que só abria às 8h30. Na segunda semana de dezembro, o ICMBio instalou totens eletrônicos e permitiu que o agendamento fosse feito a partir das 17h. A fila tem se formado cerca de duas horas antes. Outro reflexo foi a definição de horário de entrada e saída para a praia do Sancho, tida como uma das mais bonitas do mundo. Como o acesso é por uma estreita escada instalada na fenda de uma rocha, a definição do fluxo foi necessária em razão do aumento do fluxo.
O “boom” turístico ainda não se refletiu em degradação ambiental evidente. Mas já afetou a rotina dos golfinhos, um dos animais “cartões postais” da ilha. Nos últimos anos, eles deixaram de ficar mais tempo na baía dos Golfinhos (nome dado justamente pela então presença constante do animal), para permanecer mais perto do porto. Segundo José Martins, coordenador do projeto Golfinho-Rotador, a mudança se deve ao aumento de tráfego de embarcações na água. O som delas incomoda aos animais, que se deslocaram para o local de concentração dos veículos a fim de monitorá-los e não serem surpreendidos por sua aproximação. “Anos atrás os 11 barcos autorizados a fazer passeios turísticos circulavam duas vezes por semana. Agora cada um deles chega a fazer dois passeios por dia”, disse Martins, também analista do ICMBio. “A baía dos Golfinhos era um local em que eles descansavam, acasalavam e protegiam os filhotes. Se mais golfinhos ficam em guarda, têm menos tempo para descansar, acasalar e proteger os filhotes”, afirmou, apontando uma potencial ameaça ao animal. As divergências sobre a visitação na ilha chegaram ao Ministério Público Federal em PE. Após uma série de reuniões, a Procuradoria determinou ao estado que não emitisse mais licenças para pousadas até melhorias na infraestrutura.
A Procuradoria aponta ainda quatro pousadas que receberam autorização para instalação do estado em desacordo com o Plano de Manejo. Pernambuco, porém, não considera que o documento ambiental se sobreponha às regras estaduais. “Nossa posição é de que não compete ao ICMBio opinar sobre as licenças. É competência estadual dar o alvará”, disse o administrador da ilha, Guilherme Rocha. Ele afirma ainda que a taxa diária cobrada do visitante ajuda o governo a fazer investimentos na ilha. O porto usado para o abastecimento de Fernando de Noronha está sendo reformado e 26 casas populares, erguidas. A disputa foi parar em Brasília, onde o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), ex-secretário de Turismo, convocou o ministro de Meio Ambiente, Edson Duarte, a fim de pressioná-lo sobre investimentos no arquipélago. Zé Maria foi consultado sobre perguntas a serem feitas. O empresário e demais donos de pousadas luxuosas demonstram alguma preocupação ambiental. A maioria delas conta com painéis para captação de energia solar, reuso de água, entre outras técnicas sustentáveis. A Pousada Zé Maria tem até uma horta hidropônica, que consome menos água.
“Concordo que tem que estruturar a ilha para dimensionar um número maior de pessoas. Eu dependo da sustentabilidade, da preservação, mas desde que não seja em detrimento do homem. O meio ambiente tem que ser protegido para servir ao homem”, afirmou o empresário.
Via: https://www1.folha.uol.com.br